Tudo começou com uma observação de um movimento crescente nas redes sociais de ex-veganes (e aqui não estamos falando de pessoas que apenas não usam o termo vegan, mas aqueles que voltaram a consumir produtos de origem animal). Depois, uma busca no google: as pesquisas mostram uma queda drástica na procura pelo termo nos últimos anos e menos matérias sobre o assunto.
O que que aconteceu? Será que o termo se popularizou e ninguém busca mais? Como que as ONGs de proteção animal e o mercado alegam um crescimento no “movimento” e um aumento na busca por produtos de origem vegetal, mas nas redes vemos cada vez menos? Será que o veganismo saiu de moda?
A real é que isso tudo são especulações e dificilmente saberemos o que acontece dentro desse mundo que são as redes sociais e os números apresentados pelo mercado. Quando o que move o “movimento” é o mercado e a publicidade, a gente sempre fica com um pé atrás. No meio de tanta #publi, é difícil diferenciar o que é luta antiespecista, de estilo de vida, de moda, ou melhor, trend. Mas acho possível fazer algumas inferências a partir de observações.
Eu virei vegana em 2016, quando nem tudo era mato, mas era muito diferente do que é hoje e, não surpreendentemente, as pautas dos portais de notícias, canais de youtube e posts do instagram são sempre as mesmas: veganismo é bom pra saúde ou não? Veganes podem comer o biscoito da marca tal? Quem é a vegane da vez no BBB? Qual a diferença entre veganismo e vegetarianismo? E por aí, vai. Dos animais mesmo e das pautas políticas relacionadas à eles, pouco se fala, e é cansativo ouvir e falar das mesmas coisas sempre, né? Esses dias, inclusive, eu li que a dieta que vai salvar o planeta é a climatariana. Então, talvez seja isso mesmo. Talvez ser vegane não está mais moda, não é cool, não é trend e manter essa skin da internet na vida real seja pesado demais.
Eu entendo. Uma coisa é falar na internet sobre veganismo, outra coisa é manter esse posicionamento no dia a dia. Tem a pressão social, tem o ritmo de trabalho insano, o pouco tempo pra cozinhar, falta acesso à comida fresca e de qualidade e tá tudo caro, muito caro e, se você não tem uma rede de apoio incrível que te apoia, te incentiva e tá disposto a compartilhar minimamente essa rotina com você, fica muito mais difícil. Isso tem muito mais a ver com o capitalismo e a lógica das redes sociais do que com a dificuldade do veganismo em si.
Nossa vida é muito maior do que a vida que mostramos online, seja você influencer, ou não, e é natural que as mudanças que aconteçam na vida fora das telas não acompanhem o que é mostrado nesse recorte da internet. Mas e quando a vida muda tanto que você já não se reconhece mais no personagem que criou pra sua vida online? Você prefere romper de vez com essa persona ou se reinventar e dar continuidade à sua história? Do nada isso aqui virou uma aula de filosofia, mas fica mais um pouquinho aqui que eu prometo que eu vou chegar em um local que faça sentido!
A internet trouxe coisas maravilhosas e uma delas é nos conectar com pautas e pessoas de todos os lugares do mundo e abrir espaço pra falar e compartilhar coisas que não fazem sentido dentro da rotina do dia a dia na vida dentro do sistema capitalista. Dessa forma, ela funciona como uma válvula de escape para essa pressão diária e permite que a gente seja algo diferente, que possamos mostrar outras perspectivas, falar sobre outros interesses e, quando a gente encontra esse espaço, isso cresce dentro dentro da gente. Uma nova rede se forma, com audiência, com troca e com certa conexão e esse “reforço positivo” é massa, mas depois de um tempo pode se transformar numa armadura, numa caixa pequena demais pra gente existir. Quando o mundo aqui fora não tem mais nada a ver com essa persona que mostramos na internet, o caminho mais comum é romper de vez, sumir, fingir que nada aconteceu ou dizer “essa pessoa não sabia o que estava falando”.
Eu já vi ex-veganes indo rodízio de sushi e churrascaria, eu já vi ex-veganes brincando com o animal morto pra ser preparado pra comer, eu já vi ex-vegane fazer de tudo pra esconder que um dia foi vegane, e também já vi pessoas que voltaram a comer produtos de origem animal esporadicamente e continuam a defender o fim da exploração animal. No final das contas, nada disso tem a ver com o veganismo. Eu não estou aqui pra julgar individualmente essas pessoas, cada um tem seu motivo pra escolher o que comer ou não, mas enquanto a gente não sair da discussão individualista e entender que o veganismo é uma luta coletiva que diz respeito ao planeta, à humanidade e, intrinsicamente, aos animais, a gente vai continuar batendo nas mesmas teclas de pode/não pode, é saudável/não, sem sair do lugar.
Não sei se o caminho é buscar outro termo, outra forma de comunicar e de se fazer entender. Talvez o caminho passe por exercer a compaixão (a presença plena e empática) pelo outro sem querer consertar, sem querer ser herói e sem querer enaltecer o próprio ego por fazer algo bom. Talvez seja sobre aceitar que, dificilmente, o mundo inteiro será vegano, mas agir para que as relações multiespécies não sejam baseadas no sofrimento e para que não exista a objetificação e o apagamento dos animais não-humanos.
Quando eu entendo que essa mudança coletiva não depende de mim e, ainda assim, eu somo à luta através da conexão com o outro, fica mais fácil me deixar transformar e continuar seguindo os princípios daquilo que eu acredito ser importante para a criação de novos mundos, de novos movimentos (no plural mesmo - pra que todas as formas de existir sejam possíveis). é um caminho longo, mas que só podemos percorrer juntes.
E se você, assim como eu, já se questionou se o veganismo fazia sentido, aqui vão algumas dicas de conteúdos e coisas que me ajudaram a fazer esse caminho de volta:
1 - Como viver 100 anos
O título sensacionalista desse documentário não traz a profundidade das mensagens trazidas nas histórias nele contadas. Ele traz vários exemplos da importância de se viver em comunidade e buscar formas de vida que existem às margens do capitalismo ou apesar dele. O segredo de como viver sem anos é o mesmo de como vamos conseguir permanecer nesse planeta sem aniquilá-lo por completo e eu gostaria muito de que as pessoas assistissem esse doc com esse olhar e não buscando apenas a solução pra sua própria salvação.
2 - Se aproxime de outros movimentos sociais que tem propósitos em comum com o veganismo
Os movimentos de periferias, indígenas e de luta pelo campo e agroecologia agem nos territórios e também lutam pela dignidade humana, a preservação do meio ambiente e por novos sistemas alimentares, mais justos e sustentáveis em todas as esferas. Se unir a eles é fortalecer a nossa própria luta.
3 - Leia livros sobre animais que não sejam necessariamente “livros veganos”
Aqui fica um convite pra ler esse livro de filosofia incrível junto comigo no clube de leitura do Outras Mamas para apoiadores na Orelo. é jabá, mas também não é, eu prometo. A lógica é a seguinte: se você já é vegane ou vegetariane, não adianta você assistir documentários e ler livros sobre exploração animal, porque você já sabe como funciona a indústria, você entende o que tem de errado nela e vai acabar sofrendo e ficando com (mais) raiva sem ver alternativas e saídas pra esse problema. Ler textos e ver filmes que falam sobre outras coisas, ou mostrem outras perspectivas de vivências entre espécies, que não sejam apenas a exploração, podem ajudar a manter a chama e a esperança acessas, como foi comigo, ao ler esse livro incrível. Espero que ajude aí também.
No mais, se conecte com pessoas que fortaleçam a suas lutas (internas e externas). Eu tenho a sorte de ter pessoas incríveis ao meu redor e ter encontrado pessoas também incríveis na internet. Além da minha família e amigos daqui que sempre me apoiam, obrigada Thaís, Ju Gomes, Ju Couto, Nyle, Alfacinha, Sandra, Nanda, Nádia, Thallita, Ruan, Carol, André, Luana, Sabrina, por estarem sempre por perto, mesmo quando longe.
Um beijo e até a próxima news,
Babi Miranda <3
Adorei te ler, obrigada!!! E "O que diriam os animais" também foi super maravilhoso pra mim, muita expansão de pensamento! Viciei na autora. Inclusive meu favorito talvez seja o outro: Autobiografia de um polvo ♡
Normal ou ex-vegane de merda? hahahaha Tô brincando, mas nem tanto. Obrigada pelo desabafo e pela indicação, querida! :)